Nas últimas três eleições presidenciais, os brasileiros foram dormir sabendo quem era o presidente eleito (ou reeleito) do país: os resultados do 2º turno da disputa foram conhecidos antes das 22h, a tempo de serem anunciados nas capas dos jornais do dia seguinte. A diferença é muito grande em relação às votações de décadas anteriores, quando a apuração dos resultados demorava vários dias.
A urna eletrônica é a responsável por essa mudança. Nas últimas eleições, brasileiros no exterior e em comunidades remotas da floresta amazônica tiveram seus votos contabilizados com poucas horas de diferença em relação a quem vota numa grande cidade do país. Mas como é o processo entre o eleitor na cabine de votação e o anúncio em rede nacional?
A BBC News Brasil responde às principais perguntas sobre o processo.
Como os votos são transmitidos tão rapidamente?
O chefe da Seção de Voto Informatizado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rodrigo Coimbra, explica que a apuração é rápida porque as urnas não precisam necessariamente viajar até as capitais dos Estados, onde estão os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Os dados são transmitidos online, geralmente numa rede privativa da Justiça Eleitoral.
No primeiro e no segundo turno, a votação será encerrada às 17h.
Logo depois, os computadores presentes em cada urna eletrônica fazem a apuração dos votos e produzem um arquivo chamado Registro Digital de Voto (RDV). Ele é inserido numa espécie de pendrive, chamado de “memória de resultado”. Esse pequeno objeto é então levado até algum ponto onde haja acesso à rede privativa da Justiça Eleitoral.
“Dessa forma, não é necessário transportar a urna para que o resultado produzido por ela seja totalizado, bastando apenas transportar um pendrive até um ponto de acesso à rede privativa da Justiça Eleitoral”, diz Rodrigo Coimbra à BBC News Brasil. Para aumentar a segurança, o arquivo é assinado digitalmente – ou seja, é autenticado por um responsável de carne e osso, permitindo que sua veracidade seja checada depois.
Os resultados são transmitidos online, mas, na maioria dos casos, não viajam pela mesma rede mundial de computadores que você está usando para ler este texto: a Justiça Eleitoral conta com uma estrutura de comunicação própria, privativa, fornecida pelas operadoras de telefonia.
Locais de votação, cartórios eleitorais, TREs dos Estados e o TSE passam a estar conectados por uma intranet (rede privada de computadores), pela qual os resultados são transmitidos.
O único ponto de encontro entre essa intranet eleitoral e a internet que todos usamos fica no TSE, em Brasília. O tribunal controla o acesso: nos dias de votação, a internet fica praticamente inacessível no TSE.
Em Estados pequenos e com facilidade de transporte, as “memórias de voto” viajam fisicamente até os cartórios eleitorais ou o Tribunal Regional Eleitoral do Estado. Onde isso não é possível (como em alguns locais na Amazônia), são usados computadores com acesso à internet via satélite. Nesses casos, porém uma rede privada virtual (VPN) é usada, para aumentar a segurança.
No caso da eleição presidencial, a contagem final é realizada nos servidores do TSE, a partir dos dados recebidos dos outros pontos da rede. Para os demais cargos (deputados, senadores, governadores), a conta é feita nos TREs.
Em toda eleição, diz Coimbra, fiscais dos partidos políticos fazem a checagem dos votos usando os boletins de urna disponíveis nos locais de votação. “E não há relatos de divergência nessa contagem dos votos”, diz ele.
Como é o processo de preparação das urnas?
As fotos e os nomes são de responsabilidade dos partidos políticos, que podem entregar esse material presencialmente, num cartório eleitoral, ou via internet, num aplicativo da Justiça Eleitoral. Mas a preparação das urnas eletrônicas é um processo bem mais complexo, que envolve diversas instituições.
O software usado para a votação é desenvolvido pelo TSE, em Brasília – neste ano, o programa será assinado digitalmente no dia 5 de setembro. No dia seguinte, o software já estará disponível para os Tribunais Regionais Eleitorais fazerem a instalação. “São os TREs que preparam as urnas para a eleição, utilizando o software do TSE para a instalação do sistema operacional, dos programas e dos dados de eleitores e candidatos nas urnas. Esse trabalho de preparação das urnas pode ser feito até o final da semana que antecede o primeiro turno”, diz Rodrigo Coimbra.
A preparação das urnas é uma cerimônia pública, aberta aos partidos políticos, Ministério Público e imprensa. Pode ocorrer no TRE (como em Brasília e no Sergipe, com territórios relativamente pequenos) ou em cada cartório eleitoral (é o que acontece em Minas e São Paulo). Essas cerimônias ocorrem sempre simultaneamente.
Distribuir as urnas é um pouco mais complicado: na Amazônia, pode levar até cinco dias. No exterior, o processo pode demorar até mais de uma semana, diz Coimbra.
Como era o processo antes da urna eletrônica?
A primeira coisa a se lembrar é que, até o ano de 1932, não existia Justiça Eleitoral – as votações eram organizadas e controladas pelos chefes políticos locais, e depois validadas pelo Congresso Nacional.
Além disso, o voto não era secreto (o eleitor tinha de dizer em voz alta em quem desejava votar, facilitando a coação e a compra de votos). Só uma parcela muito pequena da população votava: mulheres, analfabetos e pobres estavam excluídos do processo.
“Era um sistema que favorecia as fraudes. Elas aconteciam na hora da confecção dos chamados mapas eleitorais, que eram as atas da votação num determinado local, indicando quantos tinham votado e qual o resultado. Tudo isso era feito pelos donos do poder local”, conta o historiador Antônio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em história política. “Eram as chamadas eleições a bico de pena, porque o que se escrevia fraudulentamente era o que determinava o resultado”, diz.
“Para completar, existia a chamada Comissão Verificadora, formada por políticos do Congresso, e responsável por checar as atas eleitorais. Essa comissão era conhecida como ‘degola’: ainda que o sujeito tivesse tido votos suficientes, acabava ‘degolado’ simbolicamente pela Comissão Verificadora”, diz Barbosa.
Embora as fraudes tenham diminuído depois da criação da Justiça Eleitoral, problemas continuaram ocorrendo – antes de 1964, por exemplo, as cédulas de votação eram fornecidas pelos partidos aos eleitores, que deveriam colocá-las na urna. Só durante o regime militar (1964-1985) a Justiça Eleitoral passou a confeccionar as cédulas, onde o eleitor deveria marcar um X nos nomes escolhidos.
“Mais tarde, essa cédula foi aprimorada para incluir um espaço em branco, onde o eleitor poderia escrever o nome do candidato. Foi assim que em 1988 o macaco Tião (do zoológico do Rio) acabou como um dos mais votados na disputa para prefeito do Rio”, conta o historiador. De fato, Tião teve quase 400 mil votos, após uma campanha movida pelo ex-deputado Fernando Gabeira.
O último grande incidente de fraude eleitoral no Brasil ocorreu em 1982. A empresa Proconsult, encarregada da contagem de votos na disputa pelo governo do Rio de Janeiro, teria tentado transferir votos para o então candidato apoiado pelos militares, Moreira Franco (hoje ministro de Minas e Energia), em detrimento de Leonel Brizola.
A urna eletrônica é mesmo segura?
O TSE adota uma série de procedimentos, rotinas e verificações abertas a todos os interessados para garantir a segurança do processo de votação. A maior parte dos especialistas concorda que a segurança das votações aumentou desde a adoção da urna eletrônica, e as últimas eleições não foram atingidas por nenhuma alegação séria de fraude.
Mesmo assim, a especialista em ciência de dados e professora Paula Oliveira lembra que não existe “sistema totalmente inviolável”. “O que a Justiça Eleitoral declara é que o sistema possui barreiras que asseguram o princípio do voto secreto e impedem a ação de hackers. Eu acredito que exista um trabalho interno estruturado por trás da segurança do equipamento”, diz ela, que é professora da Fundação Dom Cabral.
“Mas não acredito que haverá um momento em que essa vigilância possa ser reduzida. É preciso que haja um engajamento contínuo do TSE no campo da pesquisa em segurança da informação. Precisa haver mais intercâmbio de conhecimento com instituições especializadas”, diz ela.
Paula Oliveira diz ainda que a proposta de impressão do voto não ajudaria necessariamente a aumentar a segurança do processo – ela lembra que o sistema eletrônico já permite a auditoria dos votos, como aquela que é feita pelos partidos políticos.
“Acho que existem meios mais eficazes para que essa auditoria seja feita. A própria Justiça Eleitoral oferece uma gama de alternativas de auditoria. O voto impresso pode significar um retrocesso e uma afronta à proposta que a tecnologia traz”, diz ela.