Por Carlos Lula, deputado estadual pelo PSB/MA
Poucas perguntas são tão importantes e tão difíceis quanto esta: qual é o sonho da esquerda no século XXI? O sonho de justiça social e dignidade para todos embalou lutas seculares, forjou constituições, inspirou governos. Mas hoje, parece obscurecido pelo pragmatismo das redes, pela aceleração das crises e pela dificuldade de comunicar esperança. É nesse cenário que o PSB elegeu João Campos como seu novo presidente nacional, em um gesto que simboliza, ao mesmo tempo, renovação geracional e permanência histórica.
A transição marca o encerramento de um ciclo liderado por Carlos Siqueira, um dirigente que, por mais de uma década, guiou o PSB com firmeza, lealdade institucional e compromisso com a democracia. Siqueira atuou sempre com discrição, mas nunca sem clareza. Manteve o partido unido quando tantos outros se fragmentaram, preservou sua identidade enquanto forças se diluíam e defendeu, sem hesitação, bandeiras fundamentais como o SUS, a educação pública e a justiça social. Seu legado é de estabilidade, coerência e responsabilidade política.
Agora, com João Campos à frente, o desafio é outro: reconectar a esquerda com o povo. E fazer isso em um tempo profundamente marcado pela transformação digital, pela desintermediação da política e pela crise de representação. Em um país desigual e fragmentado, não se trata apenas de reorganizar partidos, mas de reconstruir vínculos afetivos, simbólicos e sociais com a maioria da população.
Isso exige, em primeiro lugar, aprender a falar para fora da bolha. Durante muito tempo, a linguagem da esquerda foi moldada por categorias que, embora importantes, significam muito pouco para quem enfrenta as urgências da vida real. Expressões como “hegemonia”, “acúmulo de forças” ou “projeto societário” precisam ser traduzidas em experiências concretas. Falar de redistribuição de renda é falar de comida no prato. Falar de Estado democrático de direito é falar de um Estado que atende, de uma polícia que respeita, de uma escola que acolhe. A política precisa voltar a chamar a atenção das pessoas, e isso começa pela linguagem.
Em segundo lugar, é essencial se reconectar com os valores populares. Fé, família, trabalho e segurança são pilares reais da vida de milhões de brasileiros. A esquerda não precisa abrir mão da crítica ao conservadorismo, mas não pode tratar esses temas com desdém ou silêncio. Defender políticas sociais firmes é também afirmar a dignidade do trabalho, respeitar as religiões e garantir o direito de viver sem medo. Essas sempre foram bandeiras da esquerda e não há por que ter vergonha de empunhá-las.
O terceiro desafio é disputar o futuro ou, mais que isso, oferecer um novo sonho. No século XIX, falou-se de igualdade. No século XX, de direitos. Mas o que a esquerda tem sido capaz de sonhar e de fazer sonhar no século XXI? Em tempos de desesperança difusa, de juventude precarizada e de crise climática, é urgente construir uma utopia renovada. Uma que fale de justiça ambiental, de inovação com inclusão, de cuidado como valor central da política. A pergunta que se impõe não é apenas o que defender, mas o que inspirar.
João Campos herda não apenas a presidência de um partido, mas a responsabilidade de liderar esse processo. Sua eleição representa a continuidade de uma trajetória que passa por Miguel Arraes, Eduardo Campos e Carlos Siqueira, homens que compreenderam a política como construção coletiva e compromisso com os mais pobres. O PSB tem agora a oportunidade de ser ponte entre passado e futuro, entre tradição e reinvenção, entre instituição e povo.
A esquerda brasileira precisa, mais do que nunca, transmitir uma mensagem de esperança. Para as mulheres que lutam por igualdade, para os trabalhadores que buscam dignidade, para as crianças que merecem um futuro e para os idosos que precisam de respeito. Uma mensagem de que é possível e urgentemente necessário sonhar de novo, sonhar e agir por um Brasil menos injusto, mais solidário e sustentável.
Fazer política com essa convicção, com coragem para mudar e sensibilidade para escutar, é a nossa bandeira. É assim que honraremos o legado do passado e construiremos, juntos, o sonho que ainda nos move: um país onde a justiça social não seja apenas uma memória, mas um horizonte próximo, vivo e possível.
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